Uso das florestas deve ser racional

21/10/2011 20:52

Uso das florestas deve ser racional

João Pedro - 16 de Outubro, 2011

Ambientalista Eufrazina Paiva

 

Fotografia: Kindala Manuel

A importância do papel desempenhado pelas florestas para a economia do país esteve na origem da realização das Jornadas Técnico-científicas sobre florestas e segurança alimentar em Angola, que reuniu técnicos angolanos, brasileiros e do Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). A ambientalista e deputada à Assembleia Nacional Eufrazina Teodoro Paiva revelou ao Jornal de Angola que o nosso país possui uma extensão florestal de 53 milhões de hectares, o equivalente a 43,3 por cento do território nacional. No entanto, a superfície considerada economicamente produtiva é de aproximadamente 2,4 milhões de hectares, o correspondendo a apenas dois por cento do território nacional.

Jornal de Angola – Qual a importância da salvaguarda e preservação das nossas florestas?

Eufrazina Paiva – Primeiro, temos de analisar a importância que as florestas têm para os seres humanos. Do ponto de vista ambiental, elas constituem um habitat natural, onde existem muitas espécies de animais e plantas, que ajudam a manter o ecossistema, tanto da flora como da fauna. Ajudam no processo da função fotossintética, ou seja, absorvem o dióxido de carbono e libertam oxigénio, que é a principal fonte de alimentação para homens e animais. Numa última função, as florestas também ajudam a proteger os solos para combater a erosão. Neste instante as florestas servem para a manutenção da própria vida humana.

JA – Está a ser realizada uma inventariação nacional dos recursos florestais. Que importância tem isso para o nosso país?  
 


EP – De acordo com os dados do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, Angola possui uma extensão florestal equivalente a 53 milhões de hectares, o que significa que corresponde a 43,3 por cento do território nacional, ao passo que a superfície considerada economicamente produtiva é de aproximadamente 2,4 milhões de hectares, o equivalente a apenas dois por cento do território nacional. Portanto, as florestas desempenham um papel muito importante na economia do nosso país, devendo por isso merecer um tratamento diferenciado, uma vez que ocupam boa parte do nosso território. É nesta linha de pensamento que o Executivo angolano pretende quantificar toda a biomassa que temos, isto é, quantificar a qualidade de todas as potencialidades florestais.

JA – Que benefícios económicos pode trazer a inventariação para Angola?

EP – Actualmente, o nosso país tem capacidade para produzir, por ano, uma média de mais de 360 mil metros cúbicos de madeira em toro da floresta natural e aproximadamente 850 mil de plantações florestais existentes. O que corresponde, em termos financeiros, a 150 milhões de dólares para a economia nacional, só em exploração de madeira. Com este inventário descobriremos os pontos fortes, as fraquezas e ameaças da biodiversidade existente no país.

JA – Na sua opinião, quais as fraquezas e ameaças existentes no sector florestal?  

EP – A falta de informações actualizadas sobre os recursos florestais de base é uma fraqueza que vai ser superada. Isto porque ainda não existem dados de inventários florestais detalhados, nacionais e locais. Devido à falta de informação e de um plano de gestão, a exploração florestal tem incidência sobre um número reduzido de espécies com aceitação no mercado. Sobre as ameaças, a exploração desordenada e ilegal das florestas naturais é uma questão um pouco mais delicada, pelo facto de a maioria da população rural e suburbana ter na madeira, no carvão, lenha e outros recursos florestais as suas principais fontes de rendimento familiar. Esta situação tem muita influência nos índices de desflorestação e degradação dos recursos florestais em redor dos centros urbanos.

JA – Existem pessoas que vivem no campo e dependem das florestas. Que critérios devem ser seguidos nesta situação?

EP – É nessa questão que entra o conceito de capital verde e a sua importância. A partir do momento em que dissermos às pessoas que a sua subsistência passa pela protecção dessas mesmas florestas, elas vão esforçar-se na sua protecção e preservação. O mesmo acontece com o madeireiro, que deve plantar mais árvores, o pescador, que deve saber proteger os mangais, porque a multiplicação dos peixes depende desses mesmos mangais, ou com os caçadores que devem saber que a sua subsistência vem das florestas e por isso não devem realizar queimadas. Com esta sensibilização, de forma constante, as pessoas vão ter outra consciência.

JA – Qual tem sido o papel do Estado nesse sentido?

EP – É preciso que os órgãos do Estado façam o seu trabalho. As entidades competentes responsáveis pela protecção do ambiente têm de incentivar os camponeses, os membros das organizações da sociedade civil a criarem projectos de desenvolvimento sustentado, no sentido de incentivarem as populações a usar o fogareiro ecológico e a não recorrerem tanto à lenha. Tudo passa por políticas traçadas.

Mercado de carbono

JA – Durante as Jornadas Técnico-Científicas, falou-se do mercado de carbono. Que importância tem para o nosso país?

EP – A nível internacional, os cientistas estão a criar um novo conceito de ambiente, que é a tal capital verde. É nessa vertente que o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas está a fazer o inventário de quantificar as florestas. É essa equipa que vai fazer o estudo da biomassa. Sou da opinião que essa comissão devia ser integrada por técnicos do Ministério das Finanças.

JA – Mas o que é o mercado de carbono?

EP – O mercado de carbono é um certificado emitido a uma pessoa ou empresa que reduziu a sua emissão de gases com efeito de estufa. Por convenção, uma tonelada de dióxido de carbono corresponde a um crédito de carbono. Esse crédito pode ser negociado no mercado internacional. A redução da emissão de outros gases, que contribuem igualmente para o efeito de estufa, também pode ser convertida em créditos de carbono. Nesse caso, comprar créditos de carbono no mercado corresponde aproximadamente a adquirir uma permissão para emitir gases com efeito estufa.

JA – De que forma é que Angola pode resolver o seu problema das dívidas com credores internacionais tirando proveito das suas potencialidades florestais?

EP – Nós sabemos que as grandes potências são os principais causadores do aquecimento global. Estou a falar das economias já desenvolvidas, como a do Estados Unidos, Japão e da Comunidade Europeia, e as economias emergentes como a China, Índia e Brasil. Estas economias estão a poluir muito, mas nós africanos não poluímos quase nada. Em contrapartida, temos as nossas florestas quase intactas. E essas florestas é que acabam por absorver todos os gases tóxicos que estas economias produzem.

JA – Nesse caso, podia se registar uma redução dos redimentos  do sector madeireiro?

EP –
Não necessariamente. Quer dizer, parte das florestas podem ser exploradas, principalmente aquelas árvores que têm um crescimento rápido, pelos madeireiros e pelos camponeses, por causa dos seus hábitos e costumes. Mas aquelas de grande porte, que têm uma enorme absorção de dióxido de carbono, essas sim devem ser salvaguardadas, porque também podem dar-nos rendimentos financeiros devido à absorção do carbono.

Luta contra a desertificação

JA – Que políticas podem ser desenvolvidas para evitarmos a desertificação?

EP – O que podemos fazer a nível das cidades que estão a ter este problema de seca, e consequentemente vão ter problema de desertificação, é incentivar a criação de polígonos florestais artificiais. Nós sabemos que um dos principais motivos do surgimento das bacias hidrográficas é a existência de árvores, porque existe uma relação directa entre as árvores e a chuva.

JA – Mas como podemos fazer isso de forma abrangente?

EP – Nós temos técnicos altamente qualificados que precisam ser aproveitados. É preciso dar ocupação a esses técnicos. Existem determinadas tarefas que podem ser feitas pelos chineses, mas para a multiplicação de árvores temos aqui homens que podem fazer isso. Não temos necessidade de importar árvores quando temos homens qualificados que fazem isso com muita qualidade. Por isso, este trabalho de criação de polígonos florestais no Cunene, Namibe, na Baía Farta, em Benguela, pode ser feito por técnicos nacionais.

 

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